revisitando o porão

eu sonhei que estava no porão.  ajoelhado, mexia numa papelada, mas não lembro bem o que é que eu buscava. seja lá o que eu estivesse procurando, não cheguei a encontrar. só me lembro de ter saído correndo, fugindo, fugindo, embora eu não soubesse exatamente do quê. mas fiz o primeiro gesto: tentei mexer naquela papelada. naquela coisa velha. antiga. antiquada. 

aquela papelada parece inútil, mas ainda é fundamental para me entender. essa coisa velha que me constitui. eu tento olhar um pouco os papéis, e depois preciso inevitavelmente escapar, não consigo ficar olhando por muito tempo. eu tento ter coragem, mas o passado é duro e difícil de manusear. aquelas páginas amareladas, que se descolam ao mínimo movimento equivocado. e de repente você perdeu uma página, uma memória. e de repente você perdeu uma boa memória, porque você passa tanto tempo olhando para as ruins que a vida parece um lugar horrível.

o cheiro de coisa histórica, guardada provoca a minha rinite. eu tenho alergia ao velho. queria me desfazer do passado e me constituir outro, outro não aprisionado nem determinado por algo que tenha acontecido. queria ser outra coisa, outra coisa livre, uma coisa nova, queria me destituir pra fazer revolução. é difícil aceitar o velho. é difícil lidar com o que aconteceu e do que eu não tive culpa nem controle e que eu nem gostaria que tivesse acontecido. se eu pudesse, se eu fosse capaz, tudo teria sido diferente e eu teria sido feliz. olhando para esses papéis, é difícil não pensar que eu estou cheio de culpa.

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