as memórias que me trazem esta cidade

há alguns dias atrás, eu tinha encontrado o seu doce favorito pra vender e escrevi um texto sobre como me senti. sempre dá pra piorar um pouco. de volta por uma semana na casa dos meus pais, eles me pediram o maldito do brownie com sorvete. fiquei transtornado. estar nessa cidade sempre termina comigo chorando num canto lamentando nosso rompimento. as memórias são mais fortes que qualquer determinação. eu nunca tinha cozinhado esse prato nem pra você, mas agora fazia pros meus pais. tinha algo de amargo e pesado na minha mão quando fazia contato com a massa. acima de tudo, aquilo me trazia memórias. memórias de meses atrás, quando não havíamos deixado de nos falar e de quando eu me sentia amado, apesar de tudo.
fiquei muito nervoso. e fiz o que fazem as pessoas nervosas. acidentalmente queimei o brownie. eu mal acreditava nos meus olhos quando recolhi aqueles restos de chocolate que tinham torrado por meu descuido e falta de atenção. meus olhos esquentaram e eu quis chorar, mas não chorei. no meu cérebro, aquele fracasso parecia rebobinar o dia em que te deixei, em que cansei de levar pra frente um relacionamento falido e deixei pra trás aquela ideia de nós dois juntos, eu não olhei pra trás. meu cérebro rebobinava a sua partida como um disco arranhado que repete sempre o mesmo som. o fracasso da nossa relação, o fracasso do amor (não-)correspondido, o fracasso da nossa tentativa de término pacífico, o fracasso da minha tentativa de nunca mais olhar pra trás e ir embora de cabeça erguida, o fracasso da minha tentativa de superar você, o fracasso do meu brownie - o seu prato favorito -, meu fracasso na cozinha, fiquei imaginando o que você diria, se teria vergonha de mim, você que cozinha tão bem, e eu que não sou capaz de fazer um brownie sem queimá-lo porque fico muito nervoso com a ideia de você.
ainda assim, fui eu que resolvi te deixar. você não cansou de mim, você teria ficado comigo mais vezes, você teria me encontrado outras vezes, por você nós teríamos transado e seríamos amantes ocasionais. mas eu não queria essa vida com você. eu não queria ser o seu ocasional. eu escolhi te deixar e arco com toda a responsabilidade do término. não havia mais como ficar com você e eu sabia disso, e sei que acertei na decisão, ainda que tenha demorado demais, poderia ter sido pior, poderia ter sido mais tarde. abandonei você, na esperança de dar um fim nessa ideia de nós. mas eu fracassei. eu fracassei com tudo. eu falhei com todos.
ninguém se atreveu a comer aquele brownie. o doce paira sobre a pia junto com a louça suja. um doce encrostado, duro e áspero, que não sai com água nem com esponja, não sai de maneira alguma. e você também não sai do meu coração, e eu não consigo voltar pra mim, e está tudo tão fora do lugar que só penso em morrer.

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