O fim do amor

Eu sei bem que pecado cometi. Foi o meu erro colossal e a lambança-mor, o momento em que meti os pés pelas mãos e você me deixou porque descobriu que eu errava, que eu nunca seria nada além de humano. Aí você decidiu me deixar, demonstrei humanidade demais para tão pouco tempo, foi estranho, eu te disse que gostava de estar com você e no outro dia você fugia de mim como o diabo fugia da cruz. Fiquei sem entender. Então eu não deveria gostar de estar com você? Quando estou saindo com alguém, não devo gostar de estar com a pessoa? Então é disso que fui acusado, de amor. Foi decretado o fim. Amar não, amar já é demais.

Então o meu pecado foi amar?  E deveria também me envergonhar de mim mesmo por ser capaz de amar? Se eu amava era porque sentia, mas sentir era outro pecado. Eu não tinha que sentir nada aqui dentro, tinha que ser uma pedra. Talvez até pudesse sentir, mas nunca demonstrar. Todos os que vinham tinham esse traço em comum: estavam fugindo do amor e cobravam de mim essa postura inabalável de quem não é humano nem vivo, portanto, não sente.

Quer dizer, há exceções: permite-se o tesão, a libido. O amor é punido. Às vezes não sei por que ainda tento. Às vezes me pergunto como é possível isso, que eu ainda tenha fé, depois de como me julgaram, me acusaram e me trataram no dia seguinte, às vezes no mesmo dia, às vezes por meses, como se eu não fosse criatura sensível, como se eu não tivesse personalidade nem tivesse livros, poemas e músicas favoritas, lembranças que me tocassem, pais, irmãos, tios e primos que, felizmente ou não, fizeram parte da minha vida, como se eu não fosse um mundo inteiro a ser descoberto.

Não. Nada disso importava, nada importava. Para estar com você, eu tinha que ser vazio. Para estar com você, eu tinha que me diminuir tanto. Eu tinha que ser menor que um átomo, eu não poderia ter qualquer valor nem parecer minimamente interessante. Era regra que, para estar com você, eu tinha que ser desnecessário, assim você poderia me mandar embora no dia seguinte sem se sentir mal, afinal, eu não era gente. Eu era só um vazio.

Eu não sei quando vai acontecer, quando minhas forças vão acabar. Não vai levar muito tempo. Só mais um pouco de pressão e eu desisto e me junto ao exército dos mortos. E torço para que nem essa nem nenhuma morte tenha volta, não, por favor, nunca. Que pelo menos uma vez me escutem: quando morrer, eu não quero nunca mais voltar. Quando morrer, espero nunca mais voltar. Nunca.

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