Mais um inverno

sinceramente? eu fico frustrado. porque o destino tem dessas coisas, estamos trabalhando juntos e eu vou ter que conviver com você. não tem jeito, é injusto, mas não tem jeito. vou ter que fingir que sua presença não me abala, que sua indiferença não me machuca, que estar com você sem poder estar com você não me corrói. eu não queria ter que fingir nada. agora, por que de tantos, logo eu, vou ter que fingir, eu que sempre fui tão transparente, deve ser alguma espécie de teste, odeio me vitimizar dessa maneira mas só consigo pensar em quão cruel o destino foi comigo, deve haver uma justificativa plausível, me diz que isso não é por acaso, por favor. eu queria acreditar que nada disso é por acaso, mas não consigo, eu estou seco por dentro, gelado de tantos invernos e já não tenho esperanças que você um dia vai me ensinar a sonhar. eu não tenho esperanças, eu só tenho medo. eu tremo da cabeça aos pés, eu me desmancho todo porque a minha estrutura é firme, mas não pra você. você entra muito fácil no meu mundo, você nem percebe quando já está dentro do meu prédio. eu não sei fazer você sair, eu queria te dizer pra parar, pra abandonar o meu mundo, você não me deixou entrar no seu, eu queria que você me deixasse em paz, mas a culpa não é sua, é seu direito. mas pra quem mais vou pedir um pouquinho de paz?

você caminhou lado a lado comigo ontem e de vez em quando me olhava como que me estimulando a quebrar o silêncio. acho que você não tem ideia da raiva que senti de você naquele momento. eu queria ter ignorado você, queria não ter dito nada e ignorado sua tentativa fracassada de me fazer dizer alguma coisa, mas caramba, eu falei com você porque sabia que ia ter remorsos, porque eu sei exatamente como é ser abandonado no escuro, eu já fui abandonado no escuro várias vezes.

já faz mais de um ano, eu finjo pra mim que não, mas você foi uma das melhores e ao mesmo tempo uma das piores coisas que me aconteceu. você nunca perdeu a compostura. você sempre me tratou muito bem. você sempre me entendeu. você sempre se esforçou pra me entender. você é tudo que eu sempre quis em alguém e eu te odeio por isso. te odeio porque você é inacessível, você está longe. te odeio por achar que você é a pessoa perfeita pra mim e eu me odeio por achar você perfeito pra mim. eu perdi tanto tempo olhando pra você ontem sem que você percebesse, tentando desesperadamente encontrar um defeito para me agarrar para então concluir que você não servia pra mim e que era hora de fazer você parar e como me odiei por não conseguir encontrar um único defeito em você, como me odiei pelo fato de a ausência de reciprocidade sua não ser motivo suficiente pra mim terminar com tudo o que temos e com o que nunca tivemos. você não me enxerga como eu te enxergo, eu vejo muito mais em você. nunca estaremos em pé de igualdade. eu custo a acreditar que você não consegue, que eu sempre vou ser ninguém pra você. custo a acreditar que eu não te cativo nem um pouco, que nunca mereci uma chance, que nunca fui desejável pra você. o meu rosto nunca se destacou na sua multidão. na multidão você procurava outros rostos.

eu achei que fôssemos mudar de estação, mas é inverno de novo. meu rosto é anônimo. 

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