uma cidade em ruínas

há dias como esse em que a única coisa que eu quero é esquecer você e talvez me esquecer que eu quero acreditar em nós dois, há dias como esse em que fico torcendo por um deslize seu ou para que me diga que cansou e que não quer mais, sem outras delongas, sem tentar estender o que não precisa acontecer porque, se for acontecer, simplesmente não vai. tem dias como esse em que eu quero te dizer pra parar. tem dias como esse em que eu vou abrindo um sorriso aflito a cada hora que passa sem ter uma resposta sua. porque penso que deve faltar pouco. deve faltar tão pouco pra que você esteja cansado então não preciso resistir muito mais que isso, basta aguentar mais um pouquinho.

há dias como esse em que eu quero atirar você pro alto, tacar o foda-se pra nós dois, eu quero pegar o primeiro carro que me aparecer, entrar nele e desaparecer e surgir em outra cidade, mesmo que eu não saiba dirigir, às vezes tenho a sensação que as coisas melhorariam se eu perdesse todas as minhas referências e estivesse em qualquer outro lugar em que eu não tivesse que ser eu, em que não tivesse identidade. é no desespero que eu romantizo a minha ausência de pessoa, sabendo como tudo me machucaria ainda mais. é que é difícil carregar essa cidade em ruínas pra todo lugar que vou, eu sou a cidade em ruínas que os turistas visitam e tiram fotos e se perguntam como isso aqui um dia deve ter sido uma cidade linda, então eles tiram mais fotos porque eles gostam de coisas abandonadas, velhas e quebradas. depois eles vão embora porque os turistas nunca vêm pra ficar e eu também não quero ficar, não os culpo, se eu pudesse ir embora então eu iria também, mas eu não posso ir embora, eu tenho que ficar nessa cidade em ruínas que alguém um dia destruiu. eu não posso me tirar fotos e me largar. mas se eu pudesse, eu me largaria, e eu desistiria de você também, porque eu sei que você é só mais um turista, e são incontáveis nos dedos das minhas mãos o número de coisas que eu desistiria nesse momento. as referências me impedem de desistir. é impossível desistir pois existem um milhão de correntes que me prendem, a família, a faculdade, os amigos, o turista, o governo, a casa, o corpo, um maldito corpo que ninguém escolheria se pudesse fazer uma escolha.

ninguém escolheria uma cidade em ruínas se tivesse chance. 

essas correntes ferem a minha pele e a minha alma. essas correntes me deixam feridas que não cicatrizam e não se trata de um problema sanguíneo. é mais sério que isso. eu posso tomar quantos remédios me receitarem, eu posso até mesmo mudar a minha alimentação. é a minha alma que precisa de uma cirurgia. uma alma desesperada, descontente, fragmentada e ferida em um maldito corpo que não escolheu. uma pessoa em ruínas. uma alma que mesmo em uma condição tão desprezível, em um fase da vida já não tão desprezível, que acha que pode amar. e que o amor pode curar todas as coisas. que o amor tem poder algum nesse mundo perdido. uma alma podre, mas romântica.

já não sou mais um adolescente que ninguém vê como gente. já conquistei esse direito, as pessoas me veem como gente, como alguém. foi tudo que eu quis há alguns anos. acho que isso eu consegui. agora percebo que eu queria uma mentira, na esperança de que ela me ajudasse a viver. mas eu sou tão pouco, e nem quero ser mais nada não. sou só uma cidade em ruínas. por favor, não cobre nada de mim.

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