do que o amor fez comigo

sempre me escondi na ilusão de que eu não era culpado pelas coisas que me aconteciam, pelo fracasso latente, pelo desamor em que vivo e pelas vezes em que fui como um brinquedo com o qual as pessoas gostavam de brincar por um tempo antes de largar. mas acho que nunca esteve tão claro o quanto tenho culpa nisso porque, bem, essas coisas não importariam tanto se eu não fizesse que elas importassem tanto. se essas relações não tivessem significado nenhum pra mim, então eu não me importaria. se não procurasse o amor em cada padaria ou em cada mercado, se não vivesse implorando por aquilo que nunca tive, então essas coisas não importariam. se eu fosse dono de mim mesmo, seguro e confiante do que faço, se eu ao menos soubesse pra onde estou indo, se eu ao menos não precisasse de ninguém ou se ao menos eu fosse um pouquinho mais autossuficiente, nada disso importaria. as pessoas iriam embora e eu daria de ombros porque, enfim, acontece, as pessoas vão embora, o amor acaba, relacionamentos não são pra sempre, nada é pra sempre. 

mas como não sou nada disso, nem autossuficiente, nem seguro de mim mesmo ou dono de mim, como fico implorando pelo amor em cada padaria que por acaso acabo por entrar, então tudo importa. tudo me dilacera. tudo faz um corte profundo no meu peito. todo baque me traumatiza. eu sempre sangro e fico sangrando em um drama que parece não ter fim, em um choro que mais parece de velório, tudo ganha dimensões outras, parece quase um castigo ser assim, acredito piamente que é um castigo ser eu e um castigo que o criador de tudo deixe alguém nessa situação e em tantas outras que aqui não abordo. 

mas se eu não desse a mínima se sou ou não amado, eu não sofreria tanto. ou se eu pelo menos amasse na mesma frequência e velocidade da maioria das pessoas em vez de ser tão intenso, em vez de ser alguém que assusta os outros e assusta a si mesmo, se eu fosse um pouquinho mais normal já sofreria bem menos, mas todo mundo que passa na frente da minha porta eu já abro e convido pra entrar e se fazer à vontade em casa, que de repente não é mais minha, me torno um hóspede dentro da minha própria casa.

eu vivo sem amor e, fosse só isso, tava tudo bem. o problema é que eu me importo. eu me importo e não consigo me contentar. não me contento que todo mundo tem sua via crucis e esta é a minha. apenas uma das várias. não me contento que é assim que tem que ser. não me contento que nasci pra me sentir tão infeliz assim. não é possível que não tenha outra coisa, por favor, me diga se não tem outra coisa, ou se meu coração vai ser sempre em preto e branco? olhando fotografias coloridas e sentindo apenas dor e pesar de amores em preto e branco? estou procurando alguém que me diga, com absoluta certeza e não por pena, que há algo de diferente nesse script esperando por mim. esperando pra valer a pena. pra eu não desistir agora. eu só queria uma luzinha, bem pequena, pra não cegar alguém tão habituado à escuridão. o amor me assusta mais do que qualquer coisa e parece que é maior que eu, mas eu sempre preciso colocar tudo a perder.

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