quando um relacionamento simplesmente morre

os pais de uma amiga terminaram um relacionamento de trinta anos. trinta anos de casados, de dois filhos, de uma casa, uma empresa, vivendo juntos, se apoiando nos altos e baixos e eu, muito surpreso com uma declaração de divórcio assim, já que evidentemente desde que conheço a minha amiga eles são casados e nunca me ocorreu que eles poderiam vir a um dia se separar. o matrimônio dos pais dos meus amigos, a quem eu costumava chamar de tio e tia, é uma dessas estruturas que na minha cabeça eram inquestionáveis e firmemente assentadas demais na terra para sofrer rompimentos com a passagem do tempo. doce ilusão.

como quem não queria nada, questionei o motivo da separação. afinal, houve traição? certamente um deles deve ter sido um filho da puta. ou então, especulei, eles simplesmente deixaram de se respeitar, passou-se a haver brigas, confusões e baixarias, perceberam que a manutenção do matrimônio era insustentável. ou então, segui especulando com meus botões, um deles simplesmente cansou-se do relacionamento fechado e quer viver novas aventuras sem se sentir amordaçado ou fazendo algo errado. nenhuma teoria minha se confirmou. minha amiga respondeu: não. eles ainda são muito amigos e muito unidos. mas o relacionamento simplesmente morreu.

mas como assim simplesmente morreu? que coisa horrível, respondi. porque se ocorre uma traição, uma briga, um insulto, uma discordância inconciliável, existe algo concreto a que se associar o término. não teria mais como continuar, seria pesaroso, desumano, um castigo. se nós somos um dos envolvidos, a gente pode colocar a culpa na traição ou naquele insulto. mas e quando um relacionamento simplesmente morre? de quem é a culpa? e como se supera?

trinta anos de casamento com alguém e o relacionamento simplesmente morre?
e todos os momentos, e todas as lembranças, todas as memórias, o que se faz com a história, com tudo o que se construiu, como que uma coisa assim gigantesca como um afeto morre desse jeito sem parecer que algo ali algum dia existiu?

o que é que acontece com as pessoas? o que é que está dando errado? e por que deu errado? se pessoas maduras o suficiente pra reconhecerem que o relacionamento chegou ao fim e terminarem pacificamente não conseguem resgatar um relacionamento, o que resta ao que resto? e nós, meros mortais? por que ainda nos enganamos com essas coisas? quando casamos, esperamos viver a nossa vida toda ao lado da pessoa. mas acontece um erro no caminho. o trem sai do trilho. as coisas não correm como esperado. a gente se decepciona. a gente se desgasta. a gente desiste. e o fim parece ser esse buraco negro que tudo suga e nem o amor pode combatê-lo. o fim é esse buraco negro surrondeando nossas vidas, nossas relações, nossos empregos all the time, é um espectro rondando nossas cabeças, o fim, essa magia, essa energia e essa maldição que simplesmente acomete a gente, e acomete, e acomete, e segue acometendo.

pelo amor de deus, eu queria entender o que está acontecendo, mas eu também preciso me dar um tempo pra respirar, não dá pra fazer os dois ao mesmo tempo, pelo amor de deus, uma porrada de cada vez.

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