não há amor pra mim

eu me lembro que, quando criança, eu já me perguntava: qual que era o sentido da vida? por que eu estava ali? será que tudo era uma espécie de teatro, em que todos fingiam viver quando na verdade estavam todos me enganando? lembro de me aproximar da minha mãe e me perguntar se ela era de verdade. claro que sim, ela dizia, mas eu não me contentava. uma vez, agarrei o seu rosto e tentei puxar sua pele pra fora. eu achava que se fizesse isso, conseguiria lhe arrancar a máscara e descobriria que ela não era de verdade. evidentemente que não consegui tirar máscara alguma, no máximo extraí um grito de dor da minha mãe. ainda desconfiado, fui relaxando aos poucos e aprendendo a confiar mais nas pessoas. mas ultimamente tenho me perguntado se tudo isso já não se perdeu. se eu não estou me tornando, afinal, cada vez mais impenetrável e difícil de lidar. cada vez mais desconfiado...

desconfiado de qualquer um que queira me fazer bem. porque fazer bem simplesmente não parece real.

não consigo evitar em ficar um pouquinho desconfiado toda vez que alguém se aproxima. eu desconfio toda vez que me dizem que sou bonito, ou que se interessam por mim. eu não recebo muitas, mas quando as recebo, desconfio também das juras de amor. eu desconfio dos "eu te amo" ditos por aí, mas novamente, não é como se eu recebesse um desses todos os dias. a minha maior frustração talvez seja a dificuldade de me entregar a quem está tentando ser honesto comigo. eu demoro a baixar a guarda. eu não consigo não ser cartesiano. eu tento me proteger das pessoas que se aproximam porque eu sei que elas podem ser uma ameaça. e de fato, a maioria delas vai ser um dia. quando o amor esfria, o desejo se arrefece,  quando algo deixa de ser suficiente... então vêm as mentiras, o abandono, o tédio, o enjoo, e tudo se repete como uma música que eu já cansei de ouvir, mas insiste em seguir tocando.

eu me sinto cada vez mais amargo e desconfiado, e com isso parece que internalizo que não há forma de ser feliz, e que devo me proteger de tudo. porque não há amor pra mim.