deserto total sem estrelas

quem nos condenou a esse Saara da consciência há de estar satisfeito em saber que não tenho perspectiva de sair daqui. quando muito, no máximo, tenho uma miragem que permite cerzir a esperança às minhas alucinações. não há como deixar esse Saara que se tornou a minha consciência. eu sei que se tivesse batido o pé e mantido você na minha vida, eu teria me achado fraco. me culparia por ter me orientado pelo temor de não saber viver um futuro sem você. e sei que tendo optado pela ruptura, viverei para sempre assombrado pelo que teria acontecido se eu tivesse lutado mais. é o paradoxo da culpa: ela é o já-lá.

outra pessoa no meu lugar teria tentado por mais tempo. teria ela tido mais paciência com você? talvez ela tivesse tido sucesso em fertilizar esse solo arenoso e fugaz que são os seus sentimentos. onde os meus pés afundaram e por vezes encontraram escorpiões. eles não eram o pior de tudo: eu ainda conheceria a praga do Egito. se eu tivesse suportado por mais tempo, será que teria podido firmar meus pés no concreto, talvez me sentisse parte da multidão e tivesse a sensação de que há vida me esperando além do deserto. 

onde começa o deserto e onde termina?

eu não sei há quanto tempo estou aqui, mas daqui é mais fácil ver as estrelas nos dias bons. nos dias ruins, é impossível enxergar qualquer coisa que seja. eu me lembro. nos dias ruins, eu mal enxergava você. e quem teria coragem de culpar a tempestade e não a nós mesmos? olha o que fizemos com a gente, olha só onde viemos parar. eu preciso que cessem os ventos e o calor extremo porque preciso ser capaz de escutar para além dos ganidos, dos arranhões e dos ruídos. eu quero tudo escutar, tudo sentir, quero a experiência total ou não quero nada. você não me deu nada, nada.

quando você se foi, nada mudou. eu continuei sozinho olhando as estrelas.

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