como foi que me tornei essa ruína?

quando você saiu por aquela porta, eu primeiro me senti livre. me sentia livre de você. pois você já há algum tempo não me acrescentava, não me somava e não me servia. você me deixava pra baixo e me fazia me sentir indesejável e insignificante. eu pedia desculpas a todo instante pra você. pra mim, vivendo pela primeira vez uma experiência de amor significativa como aquela, só me restava lhe agradecer pelo favor de me achar interessante. muito obrigado por ter feito o que ninguém mais fez. mas você me fez bem por pouco tempo. em pouco tempo você me absorveu e eu te admirava tanto que só sabia fazer ver o mundo pelos seus olhos e não percebi o que estava acontecendo.

agora não me sinto mais bem. mesmo tendo me livrado de você. eu ainda estou enxergando o meu mundo pelos seus olhos. ainda não me livrei de você. e eu morro de medo de me tornar como você, mesmo que eu ame você, eu tenho medo de me tornar aquilo que mais amo. eu não quero você. eu não quero seu jeito amargurado, desacreditado, indeciso, sem saber bem o que quer fazer da vida e em que página está, seu jeito frio e distante de olhar para suas relações e para seus objetivos. você, aos 29, em crise com a vida, e eu aos 19, cheio de sonhos e convicções. você dizia "eu pensava assim quando tinha sua idade também". e foi assim que, aos poucos, você foi me varrendo pro cantinho da sala. eu com o meu jeito quente, sonhador, melancólico mas visionário, colérico, em busca de novas sensações e experiências, em busca de qualquer coisa que me fizesse perder o juízo e me desgovernasse por completo. você foi como um terremoto. você chacoalhou os meus valores. balançou as minhas convicções. e eu fui ficando sem chão. e eu perdi quem eu era. com você eu consegui muito mais do que perder o meu juízo, eu perdi minha identidade.

e hoje eu tenho medo de me tornar você. mas não sei voltar atrás, quando eu sabia o que eu queria e no que eu acreditava e eu sabia quem eu era, e que eu não era você.

você me deixou um pouquinho sem chão, um pouquinho sem otimismo, um pouquinho sem ideias. você me deixou em ruínas.

hoje existem só ruínas e eu aviso a todos que chegam que não há mais nada que seja interessante de se observar.

eu sou a própria cidade em ruínas.

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