Vou queimá-las

(da liquidez
dos relacionamentos,
da efemeridade
das coisas
e sobre o limbo
entre o desejo de deixar de acreditar
mas saber que preciso continuar acreditando
pra viver)

não tinha como ter momento mais errado, dificilmente teria como ter sido pior e nessas situações eu me pego surpreso com o universo, surpreso mas também desesperado porque é como as coisas acontecem. moro com outras três mulheres lindas e maravilhosas que admiro muito, mas uma delas não passou no vestibular e talvez vá embora, o desemprego é uma sombra sobre a estadia da outra, já que agora o aluguel aumentou e nem eu mais sei se vou ficar, a última se forma este ano, de repente parece que não somos mais tão inseparáveis assim e parece que algo se partiu dentro de mim e eu percebo que a vida passa tão longe do que a gente planeja, parece cruel e eu me pego surpreso mas também desesperado porque é como as coisas acontecem.

em meio a um caos repentino de fim de ano, eu vi você. e quando vejo você as coisas são mais bonitas. mas não foi por causa de você que eu desci as escadas e abri o portão, te localizando do outro lado da rua. é que o céu estava muito bonito lá fora, o entardecer estava lindo como eu não via há muito tempo. e eu precisava tirar algumas fotos e valorizar esses momentos. em meio ao caos, o céu conseguia me impressionar se colorindo de amarelo, rosa, laranja e azul em um espaço de quarenta minutos. respirei aliviado porque ainda era capaz de ser surpreendido com a beleza das coisas do mundo.

eu desci as escadas, abri o portão e tirei as fotos. foi quando localizei você do outro lado da rua. e meu coração ficou tão colorido quanto o céu porque era sempre uma alegria pra mim ver você, mesmo que não tivéssemos planejado aquele encontro casual em um dia em que eu não havia nem sequer tomado banho ou penteado o cabelo, vestia a mesma regata com que eu tinha dormido e você estava arrumado, bonito. arrumado, bonito. algo dentro de mim começou a ceder. você parado, arrumado e bonito, exatamente no mesmo lugar em que me esperava quando saíamos juntos. você parado, arrumado e bonito esperando por alguém. minha vontade de falar com você foi pro espaço. sabia que você esperava alguém e que essa pessoa logo chegaria, e que então não seria conveniente que eu estivesse ao seu lado nesse momento. há momentos mais convenientes pra que eu esteja perto de você, não esse. eu taria mais pra persona non grata se tivesse ousado me aproximar. não ousei. passaram apenas alguns segundos quando o cara que você esperava apareceu. você o acolheu com um abraço e passaram a caminhar juntos em uma direção que não sei bem qual é. eu olhei discretamente, porque você ou não me viu ou fingiu não ter me visto e de repente eu me arrependi de ter descido pra tirar aquelas fotos. você saiu andando com aquele cara que eu não fazia ideia de quem era e algo dentro de mim desabou. a triste história do menino que sempre se ilude com os caras que sai. seria uma grande mentira se eu tivesse dizendo que estou falando de você, porque você nunca namorou assim como eu, mas teve muito mais experiências positivas.

estou falando de mim mesmo. de mim mesmo e das minhas expectativas, das narrativas que crio na minha cabeça e que nunca se concretizam, das coisas no meu coração que não sei colocar em palavras e que sempre temo serem fortes demais pra tão pouco tempo de convivência, é tão ridículo pensar que ele teria parado de sair com outras pessoas só porque estava comigo, mas no fundo, bem no fundo, mesmo que eu não quisesse admitir, era o que eu pensava. era o que eu queria acreditar. era o que eu queria que fosse verdade. uma decepção tão previsível que chega a ser clichê como eu não previ que isso poderia acontecer. a triste história do menino que sempre acha que significa mais para as pessoas do que realmente significa. a triste história do menino que acredita piamente que em 2017 ainda é possível significar alguma coisa pra alguém. talvez até seja possível significar algo pra alguém, mas não no meu mundo, não comigo, porque comigo essas coisas não funcionam e não há nada de mágico ou romântico em ter um coração partido.

(pois é, e eu ainda não sei o que diabos fazer com essas fotos)

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