Quando Ele falhou


No começo, era tudo. Adão, a serpente e eu, a indigna do pão de cada dia, não é, Pai? Aquela que menstrua, aquela amaldiçoada com contrações de parto, amaldiçoada com a vergonha de carregar Teu filho, a costela do homem, aquela amaldiçoada com a vergonha de carregar meus seios, a vergonha de ser assim, tão sensual, tão erótica sem querer, me perdoe, Pai.

Eu, eternamente castigada pelo pecado original, por ter mordido da maçã, eu, pagã. Eu, que tenho mulheres nas quais me espelhar, mas não homens, não posso dizer o mesmo deles, que os homens estão no poder há tanto tempo e a falta de amor ajudaram a perpetuar.

Eu, o erro genético, a vergonha da espécie. Eu, que nunca aceitei gota infundada de moral vigente. Pai, por que nos defendeste? Defendeste-nos da morte e da fome, mas o fez utilizando-se da ignorância. Queria que Teus filhos, netos e bisnetos fossem ignorantes? Puniu a eles quando tiveram o conhecimento de tudo. Esconder o problema apaga o problema? Pai, por que não nos disseste o que havia além do Éden, que era morte, dor e crueldade? Tiveste vergonha do lado negro da criação, do plano que saiu às avessas? Envergonha-te de nós, Pai? A humanidade era só uma criança.

Pai, por que não nos escreveste e tranquilizaste quando precisamos como fazem os pais com os filhos que viram o que não devia e por isso tiveram medo? Por que não nos acolheste com o abraço fraterno, Pai? Fui jogada no mundo, perseguida, fizeram que eu não existia, eu, Maria Madalena, tantas outras, humilhadas, perseguidas, caçadas, acusadas. Quantas Maria Madalenas, Pai, me diz, Tu deves ter a conta. Pai, tentaste prender Teus filhos dentro do jardim e quando desobedeceram, o que fizeste? Abandonou a mim, Adão e a criação. 

2015 anos mais, Pai, quanto tempo até que perdoes?
painting by Chen Keping

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