lágrimas que cortam como facas

No dia em que te deixei, fui tomado por uma sensação profunda de desespero. Sabia que já não era feliz com você, sabia que já não tínhamos mais química nem geografia, sabia que nossas línguas ultimamente se encontravam apenas para chicotear uma à outra. Mas naquele dia, eu me esqueci de tudo. Eu tive medo. Eu tive saudades. Uma saudade precoce, inconveniente, de tudo que me tornava infeliz. Quis que você pedisse para eu ficar. Quis te prometer que eu jamais reclamaria de nada. Quis te prometer que você seria suficiente. Ainda que você já não se esforçasse, ainda que você já não me quisesse tanto assim. Você seria sempre suficiente. Para sempre.

Eu desabei quando você não me pediu para ficar.

Você me abraçou forte e disse que nunca havia amado alguém como tinha me amado. Dentro daquele abraço, fiz tudo que podia para que minhas lágrimas não te tocassem. Quando elas estavam prestes a cair, te afastei abruptamente, como se elas pudessem te ferir.

E o pior? Talvez eu desejasse te ferir um pouco. Só pra aplacar a tua indiferença. Só pra que eu me sentisse menos como um câncer instalado em teu corpo, uma doença que você tentava expulsar a qualquer custo.

Lembrei-me de uma vez, na infância, em que eu estava na casa de uma tia. Meus pais tinham me frustrado de alguma maneira, possivelmente tinham recusado a compra de algum jogo, algum doce. Eu me lembro de mergulhar em lágrimas, me lembro de sentir as lágrimas descerem pelo meu rosto, escorrerem pelos meus braços. Fui interrompido do meu torpor choroso por minha tia, que deve me ter dito algo como: “Pare de chorar, que essas lágrimas vão riscar o meu chão”.

Foi impressionante como aquilo inverteu a lógica. O meu pranto cessou imediatamente. Muito preocupado, eu esquadrinhava o chão, verificando se havia riscado o piso da casa da minha tia. Entendi que minhas lágrimas eram perigosas. Eram como lanças, cortavam como facas.

Dentro daquele abraço, quis muito te ferir. Mas resisti até o último impulso.