Miséria no amor

se algum dia eu pudesse fazer
qualquer pergunta ao amor
eu perguntaria
como quem já o viu tantas vezes partir:
por que você insiste em me excluir?

se algum dia eu pudesse fazer
outra pergunta ao amor
eu perguntaria
como quem já cansou de chorar:
por que você insiste em me escapar?

e por que você visita alguns
e outros não
e por que de repente eu nem quero mais
ter alguém junto ao meu coração
mas de repente eu quero
mas de repente não quero mais
porque eu me lembro

eu infelizmente tenho boa memória
e sei das coisas que o amor fez comigo
não sei esquecer
(e como poderia esquecer?)
eu nem quero esquecer
tenho prazer em assistir
a história se repetir
porque assim posso bradar contra mim mesmo 
(todas as vezes)
e contra todos os meus erros
assim encontro motivos de sobra
pra não gostar de mim
(e eu entendo exatamente por que você não gosta também)
é confortável pra mim
dar sequência
a minha própria caça às bruxas
mas não existem bruxas
só existe eu

foi como aprendi a sobreviver
me caçando
me debatendo
me diminuindo
toda vez que o amor
arrebenta a porta e quer entrar
(o amor é irredutível
e violento, e me apresenta caras
que nem gostam de mim
ou gostam por um tempo, mas não muito
pois acabam eventualmente entediados
e se retiram quando percebem
que não sou uma novidade ambulante
não sou interessante nem tenho nada a oferecer)

mas há algo dentro de mim
do qual não me orgulho
mas há algo em mim que se alivia
a cada cuspe
a cada tapa
a cada vexame
pois era assim que tinha que ser
e pelo menos não preciso mais fingir ser
uma novidade ambulante
e não preciso mais fingir ser interessante
eventualmente sou tomado pela sensação
de que está tudo certo:
o amor é assim mesmo
só está seguindo
o seu script

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