E eu, eternamente de luto

volúvel como a água de um rio que corta seus obstáculos e deságua no mar, ele chegou assim, imparável.

me estudou como se eu fosse seu livro preferido sobre o qual ele se interessava em projetar uma tese. eu e minhas inconstâncias, inseguranças e sobretudo inocências. ele me leu tão fácil e rápido que eu já poderia imaginar, àquela altura, que seria apenas mais um na estante dele.

aquela história de trabalho acadêmico era balela, que ele nunca foi chegado a academicismos. fingiu que era, a melhor forma de se achegar a um livro que tudo queria ser mas nada era.

ah, mas deus, se é que existia, sabia o que fazia. sabia que não tardaria até que o afetasse o mesmo dilema da água. a água, tão poderosa em sua não’estrutura, tão facilmente moldável em um copo d’água, sabe lá ela qual é a sua essência? não sabe.

não sabe se nasceu livre como uma partícula gasosa e perdida de si mesma; se era sólida e fria, inflexível e irascível, intragável desde os primórdios; não sabe a água se sempre fora líquida e se sua essência sempre fora ser o não-ser, o vir-a-ser.

ele se adaptava muito bem a tudo que o aparecia e foi disso que ele morreu. ele se perdeu quando não teve medo de se usar unicamente em favor de si mesmo. ele se usou a troco de uns afagos no ego que vieram.

eu nunca afagaria o ego de alguém como ele, volúvel como a água. preferia continuar aquele livro curioso que um dia ele marcou suas digitais. pra sempre.

eu fui a pedra enfrentando a água. o meu grito foi o protesto de uma página encharcada. eu bati de frente inutilmente, mas bati. isso importa? importa. sinto que me honrei de outra maneira. custou caro? custou. foi enfrentando ele que ele morreu pra sempre. retornou a um estágio primitivo de desconhecimento. a gente não pode subestimar a água que ela é tudo e é nada.

é estar ali, com uma pessoa que não está, torcendo pra que ela volte. pra que tudo volte a ser o que nunca foi. e agradecendo porque não vai voltar.

era como estar apaixonado por um homem morto.

e eu, eternamente de luto.

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