Texto de quem não ressuscitou ao terceiro dia

Eu achei que não houvesse vida pós-você, que compensação ambiental alguma pudesse reparar a perda total do meu ecossistema. Os meus rios, lagos e mares secaram. A torrente de água, de prata, de carinho não veio, o riso não veio, não veio a utopia. Todos os meus reservatórios mais pareciam a Cantareira trabalhando no volume morto.

Mas eu torci para que não houvesse vida pós-você, torci para que pudesse continuar a não-matéria, onde ninguém me via. Ao mesmo tempo queria, mas não queria, pois não achava justa nenhuma forma de vida pós-ele, nem que houvesse atrevimento maior que rir sem ele, ingratidão maior que não esperar por ele ou superar ele como se ele não tivesse por muito tempo sido parte de mim e desse ciclo que chamei de vida. Porque foi ele quem me ensinou a amar sem me mostrar como parar.

Achava justa a morte se fosse com ele e o céu perdia a fortuna se fosse sem ele. Mas eu vi o quanto era injusto quando chorava sem ele, o quão injusto era perder aquelas noites por ele, o sono sem mim parecia justo pra ele. Mas eu preferia assim, que não houvesse danos a ele. Eu somei vários.

E quem diria, eu jamais acreditaria se me dissessem que haveria vida pós-ele.

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