Blindagem


A vaidosa mulher planeja uma festa em sua casa. Casa comprada com seu dinheiro. Se orgulha disso. Se orgulha também do silicone que colocou para se sentir superior à amante doze anos mais jovem de seu marido. Se orgulha de ter conseguido muitas coisas sozinha, mas não se orgulharia do status de divorciada. Status social e status do Facebook.

A festa é nada menos que monumental. Cada mesa tem os talheres que a mais alta etiqueta pode exigir. Cada mesa é bem servida. Crianças recusam seus pratos por birra e mulheres mal tocam neles, com medo da balança. Ao fim da festa, o poodle de estimação da vaidosa mulher se delicia com os restos no prato da madame. Os restos de outros pratos não têm a mesma sorte, e pela manhã, restos e mais restos de boa comida seguirão para um lixão. A madame não tem empregados, e se tivesse, nunca daria os restos a eles. Já lhes pagaria o suficiente. Mas não se sente à vontade com a ideia de um estranho em sua casa, comendo sua comida, afanando pequenos objetos e peças que a madame já teria se esquecido.


Monumentais também foram os gastos. Não só de energia, mas de água para higienizar os talheres, um a um - obviamente, após isso, foi conferido se nada foi roubado - enquanto o resto da cidade sofria com o racionamento. Mas não a sua casa. Se quisesse, poderia comprar uma hidrelétrica de pequeno porte. Se orgulha em dizer isso para seus convidados estrangeiros. Com o comentário, tira risadas até dos convidados que classificava como "cota baixa burguesia" - basicamente, pessoas de classe inferior, que eram alvos de suas piadas, mas se sentem humanos no Olimpo.

A vaidosa mulher sempre os classificaria inferiores. Influenciada pelas suas inúmeras vitórias, sua razão desenvolvia um mecanismo de segregação que funcionava e agia entre seu corpo e a etiqueta, cartão de crédito, ou bem material de equivalente beleza e valor: sua vaidade. Sua vaidade ela, nada mais nada menos que sua mania de driblar Darwin e as leis da selva de concreto. Selva que, por sua vez, era um baile de máscaras que possibilitava a vaidosa mulher de se igualar à amante de seu marido, e se distanciar completamente das pessoas que poderia ter tirado proveito das numerosas sobras do jantar que promoveu. A vaidosa mulher está presente em todos nós, homens, mulheres, maridos, amantes, empregados, crianças birrentas, enfim. Mas há quem não participe de nosso maravilhoso baile à fantasia e ainda viva como o poodle da madame: com sua natureza animal à flor da pele, às custas de restos. E o que seríamos sem as guerras e epidemias para tosar nossos malditos poodles, antes que seus carrapatos chegassem a nós? Se nós somos Dorian Gray, alguém teria coragem de dar uma olhada no retrato?

**texto escrito por Henry, amigo de sempre que com seu talento me inspira já faz quatro anos.

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