até que eu me incendeie novamente (ou como tenho a tragédia dentro de mim)

você não conhece a sensação de ter a tragédia dentro de si. as ruínas caminham comigo para todo lugar que eu vou. a tragédia me persegue, porque faz parte de mim, como as unhas fazem parte dos meus dedos e meus lábios dão forma à minha boca. as ruínas me formatam. me constituem. sou um prédio abandonado que uma vez incendiaram, e depois puseram fogo mais uma vez, e mais uma vez, e depois disso eu não sabia se quem punha fogo era eu ou os outros. tentaram pô-lo abaixo, mas é um prédio que insiste em não cair. é um prédio que teima em existir, apesar de sua presença empobrecer a paisagem urbana, tornar a cidade menos atrativa para os turistas. aquele prédio irrompe como um descuido, um erro naquela metrópole.

você não conhece a sensação de ser como um prédio impossível de ser restaurado. está escrito no seu rosto, nas linhas da sua mão. você não sabe como é se sentir rompido. você não é capaz de amar uma ruína, mas você ainda não sabe disso.

e não se engane, eu não estou pedindo para que você me ame. nem para que não me deixe. nem para que apague os meus pequenos incêndios por toda parte, afinal, eles são meus. não te peço para ficar. não te peço para tentar. não te peço para me ligar ou para me perguntar como eu estou. não te peço nada porque, se tenho que te pedir, nós nunca vamos passar disto: do encontro da ruína com o ponto turístico, da estrada abandonada com uma avenida movimentada, do inútil com o útil, do feio com o belo, e toda vez que apertarmos nosso laço vamos afrouxá-lo cada vez mais até que eu me incendeie novamente. isso é tudo.

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